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sexta-feira, 22 de novembro de 2013






                                                            Antonio Carlos Gonçalves(Antò)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
(...)[Ferreira Gullar (In: Traduzir-se)]


A curva

Já faz tempo que permanece a tentativa, mas não se consegue. Quantos dias, jogos, jogadas, finais de semana, e nada. Imagina o arremesso, cauteloso, firme, porém não consegue. Entretanto, a busca prossegue, e, assim, em cada partida a esperança se renova. Persevera. Em casa, no trânsito, na caminhada, no trabalho..., nas reuniões de negócios, o atleta, nalguns segundos de digressão, divaga, e, depois, refaz o lance, “in mente”.

No sábado, outra vez na esquina, prepara-se com os apetrechos da bola, a rever os amigos, o abraço, caloroso, depois da semana de labuta, vencida, mas a cabeça não pára. Pode ser hoje, devaneia. O atleta vai ao aquecimento, “pique-no-lugar”..., saudade do Chico Anysio, o gênio. Massageia o tornozelo..., ainda dói, enfaixa, outras dores, também, pudera, ...o tempo, enfim, mas nada o detém, porque, afinal, a alegria é coletiva, porque coletivo é o mundo da bola. Igualmente, na vida.

O árbitro apita... “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”, assim era Fiori Giglioti, nas ondas do rádio, não há como esquecer. O goleiro adversário não é Nilson “Manga” Fidelis, porque contundido, no joelho. Conquanto isso, lá está o guarda-metas, Julio “Mazurkiewicz”, em grande fase, a recordar a lenda do gol, no Peñarol e na Celeste. O meio-de-campo parece que trepida, porém a marcação cerrada, “Clodoaldo” Segatto, em campo, mas não na sua melhor forma, e, além disso, também a sentir o “peso da idade”. Nilson “Ramos Delgado” assiste ao derby, no banco, porque lesionado. O garoto João Antonio, revelação da base, jovem prêmio MotoRádio, pratica excelente futebol, por isso sofre intensa marcação, porém não desiste, afinal o futebol é arte, ciência e determinação.

“A vida é luta renhida” [Gonçalves Dias]. Assim ...de repente, ele olha, se encontra próximo à linha média, levemente à direita, marcação, à distância, então pressente a jogada, “olho no lance” [Silvio Luiz], o companheiro toca a bola... é um momento mágico, na magia do futebol, não se sabe se o passe foi do Leonir, Ruy “Bauer e Noronha”, Claiton “Pedro Rocha”, Claudemir, Carlos, ou do Ivan, ...enfim, não se sabe, são dezoito câmeras, mas não se recupera a imagem, pela rapidez do passe, a precisão milimétrica, bola em direção ao atleta, ali, próximo à linha média...

É isso, incrível... em fração de segundos... espera, a bola vem, calma, a alguns centímetros do gramado, quica uma vez, e, daí, se arranja com capricho, conforme os “deuses do futebol” [Armando Nogueira], Ratinho bate com o peito-do-pé, firme, a bola quase descreve uma ”curva de Gauss”, a lembrar a “folha seca” do Didi, bi-campeão mundial, o maestro do Botafogo e da Seleção, e, a seguir, percorre a trajetória da “jabulani”, para, enfim, marcar o gol no ângulo reto superior, esquerdo, in-de-fen-sá-vel para Julio “Mazurkiewicz”.

Ratinho não se aguenta... também, finalmente, anos de espera, é muita emoção, desde aquela decisão, em Astorga, quase chora... não, não importa que não ganha o jogo, porque a beleza do trajeto da bola, as linhas curvas, como o suave traçado de Niemeyer [“A vida é um sopro”], é empolgação, uma momento mágico, na magia da bola. Parabéns.

É assim na esquina. A vida, a bola, a emoção, a amizade, a música.

É isso. Um forte e fraterno abraço a todos.

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