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_ Aonde pensas tu que vais, assim toda apressada? _ Perguntou o andarilho à
moça esguia.
_ E quem pensas tu que és para dirigir-te a mim assim com tanta ousadia? _ Respondeu a rapariga com muita segurança.
_ Eu? Bem, acho que sou um produto do teu tempo. Sou o resultado da miséria, o resíduo do preconceito. _ Argüiu o maltrapilho.
_ Se assim é, coloca-te em teu lugar! Não obstruas com tuas mazelas, o meu caminho com tamanha insolência! Não vês, por acaso, a distância que nos separa!? Sou jovem, bonita, viçosa. Posso dizer que tenho um perfil interessante. E tu? Tens a oferecer algum brilho? _ espetou a fogosa e mal educada potranquinha, abusando da petulância.
_ Não a ti. _ devolveu o humilde mendicante. _ Nossos olhos seguem geometrias diferentes. Enquanto os teus vêem linhas obtusas; os meus vêem linhas convergentes. Não percebes? Bastou-te ver-me assim, para aguçar-te as nossas diferenças. Dito isso me calo. Não quero fazer de tuas palavras as minhas.
Refletindo o que ouviu e mastigando o que dissera, a menina intuiu: “Que figura mais estranha era aquela que lhe vinha. Mas, a julgar pela penúria, tinha muita sabedoria.” Engoliu a arrogância e, com certa timidez, indagou arrependida deixando o orgulho de lado:
_ Por acaso és um artista? Algum príncipe encantado? – perguntou com certo humor.
_ Nem uma coisa, nem outra. _ assentiu o arguto peregrino. _ Depende do observador. Para uns sou uma interrogação. Para outros sou uma exclamação. Mas a maioria me vê como um ponto qualquer perdido no meio das palavras.
Insatisfeita, contrapôs-se a Rapariga:
_ Vejo em teus gestos muita paciência. Falas por símbolos. Como queres que entenda a tua fala? Antes de deter-te comigo, por onde andavas?
_ Perdoa minha insensibilidade. _ desculpou-se o estranho. _ Não quis causar-te nenhuma intriga. Digo-te apenas que sou aquilo que as pessoas querem que eu seja. Aquilo que querem ver em mim: Um andarilho, um indigente, um vagabundo, um maluco. Geralmente pessoas como eu são tratadas como dejeto; colocadas abaixo da linha demarcatória. Aquela que registra o início da escala social. Sou o resto, aquilo que chamam de: escória. _ o homem fez uma pausa e respirou profundamente, como que se preparasse para dar uma longa resposta. _ Perguntavas por onde andei? Ando pelas estradas. Conheço muitos caminhos. Consegui várias respostas. Aprendi que o ser humano foi estigmatizado pelo excesso de critérios, modelos, normas, regras, padrões convencionais destinados a conduzi-lo socialmente. O resultado desses excessos acaba levando-o a agir por impulsos emocionais em detrimento da razão. Este comportamento acaba provocando muitos males. Eu os classifico como sendo do gênero social: depressão, ansiedade, estresse, medo, loucura. Aprendi também que um dos únicos bálsamos para estes males chama-se: Ilusão.
_ Ilusão? _ interrompeu a ouvinte muito interessada. _ Mas a ilusão é uma mentira! Como pode a mentira servir de remédio?
_ Vês? Tocastes no ponto. _ ponderou tranqüilamente o relator, como se já estivesse esperando aquela reação. _ Mentiras... Somos carentes de mentiras, muitas mentiras. Vivemos de sonhos, de ilusões que não passam de mentiras. Enquanto temos sonhos, há esperanças; enquanto existem esperanças, há vida. Tirem-nos a esperança e a morte nos alcançará com a rapidez do raio. Chamo a isso: Trilogia Vital: “Sonho, que é igual a esperança, que é igual a vida” Não há como negar essa verdade.
Durante longos minutos ficaram em silêncio. Um ingerindo o que ouviu; outro ruminando o que falou. O homem rompeu o silêncio primeiro:
_ Embora sejas ainda muito jovem, é bom que saibas que a morte não é o fim. É uma transformação, uma metamorfose. É a fase da crisálida; o momento em que a casca se abre e dá lugar a alma imaculada, cheia de energia, cercada de luz, assexuada, sem cor de pele, sem posição na escala social, desnudada. Parece lírico demais não é? Mas é real. O corpo é o escudo, o saco de pancadas, uma roupagem que, na medida em que é tirada, iguala os homens numa escala linear. A razão de ser da existência humana está na alma, que se revela depois da metamorfose, e não no corpo.
Olhando fixamente para o chão, a moça se recostou sobre um apoio qualquer. Não queria demonstrar àquele estranho que estava pensativa. Que se sentia sensibilizada pelas suas palavras. Que estava arrependida pelo comportamento que tivera. Foi nesta posição que ela falou:
_ Se puder, perdoa minha estupidez. Tuas palavras atingiram minha indolência, confesso-te. Tenho sido prepotente em meus atos, assim como fui contigo inda agora, quando me abordara. Falas com a claridade da luz que antecede o trovão nas noites de tempestade. E, embora estejas aí apenas por um momento, sinto o como se já estivesse há anos. Faltava apenas encontrar-te. Ainda bem que fi-lo agora. Vai dar-me o teu perdão? – perguntou, respeitosamente, erguendo o rosto em direção ao mendigo. Assustou-se. Não existia ninguém ali. Estava só.
Minha amiga Vera comentou:
ResponderExcluir"Pimpolho, que texto verdadeiro. Você "canta" seus pensamentos de forma clara e leve, para um conteudo tão pesado e real. MUITO LEGAL MESMO. Inté."
"A razão de ser da existência humana está na alma, que se revela depois da metamorfose, e não no corpo."
ResponderExcluirNilson Fidelis
muuuito bom, muito bom!
Ô Cara, é muito importante para mim receber um comentário seu, ainda mais no texto sob destaque. Vendo assim em separado, percebe-se que ficou muito bonito e transmite alguma verdade.
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